Arte & Cultura
“Diálogos do Ócio”, de Bosco Martins, revela Manoel de Barros que ninguém conheceu
Por Agenda Carioca | Publicado em 17 de julho de 2024
Nessa terça, 16, aconteceu na Livraria da Travessa do Shopping Leblon o lançamento do livro “Diálogos do Ócio" ( Editora Los Bugres), escrito pelo jornalista Bosco Martins. A obra é um inventário de décadas de amizade de Manoel de Barros com o autor que, finalmente, revela como vivia, como criava, como o poeta via o mundo à sua volta e, principalmente, como surgiu o estilo “barreano” e o abecedário “manoelês”. “A vida de Manoel de Barros foi dedicada ao nada. Era para isso que ele prestava. Chegava a sofrer moralmente por só fazer coisas inúteis. Os livros sobre nada de Manoel de Barros tinham poesia, cores, paisagens, palavras inventadas e uma beleza singela…”, diz Bosco Martins, que revela no livro particularidades que ninguém conheceu.
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Antes do lançamento, Bosco Martins foi recebido na Academia Brasileira de Letras (ABL), pelo presidente, também jornalista e escritor Merval Pereira, que considerou “Diálogos do Ócio” uma obra de relevância especial para o acervo da literatura brasileira.
Com prefácio é assinado pelo “repórter do século” José Hamilton Ribeiro, autor de “Gosto da Guerra”. o livro 'Diálogos do Ócio" concorre ao Prêmio Jabuti em 2024, na categoria Biografia-Reportagem.
Confira um trecho do livro “Diálogos do Ócio”
“Do internato de Campo Grande (1928), ao colégio interno no Rio de Janeiro (1934), foi na década de 1960, ainda no Rio, que Manoel conheceu o jornalista Sérgio de Souza. Sérgio era o editor de texto de "Realidade" e tinha um modo particular de trabalhar a escrita nas reportagens.
Tendo como ferramenta apenas um lápis nº 1, ele pinçava as palavras para cortar, realçar ou substituir, na busca da clareza e da precisão. Na imprensa brasileira daquela época, não se cuidava da palavra. Uma reforma editorial dos jornais do Rio tinha implantado o copidesque, de inspiração americana: um redator reescrevia o original dos repórteres, de forma que todo o jornal parecia ter sido escrito por um único (e bom) redator. A fórmula influenciou as redações em todo o país.
O poeta cumpria seus desígnios, entre leituras de clássicos da literatura portuguesa e francesa
O poeta e Sérgio logo se aproximaram, tinham personalidades parecidas. Além de generosos, eram avessos a entrevistas, até tímidos diante de uma câmera ou microfone.
Os dois eram serenos, falavam baixo, com um sorriso amarelo, meio que infantis. Eram amáveis, mas rigorosos no trato da palavra. Se conheceram em uma redação, onde o poeta levava poemas para publicação. Sérgio mexia no texto, buscando comunicabilidade e emoção, mas sem alterar o estilo do autor.
Curvado sobre a mesa, em silêncio, Sérgio, com suas mãos compridas, dedos longos e finos, assinalava os textos a lápis.
Quando circulava uma palavra com o grafite, ela estava condenada, era preciso achar a palavra certa. Também não era uma boa notícia quando riscava uma frase, um parágrafo, ou um trecho inteiro. Só se via alguma bulha na sala quando quebrava a ponta do lápis: "Alguém pegou o apontador?"