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Jonathan Ferr, o garoto-estandarte do jazz carioca no Parque Bondinho

Por Antonia Leite Barbosa | Publicado em 10 de outubro de 2024

"Nunca é alto o preço a se pagar pelo privilégio de pertencer a si mesmo”. A frase de Nietzsche inspira a vida e o último álbum de Jonathan Ferr, "Liberdade", lançado em 2023 com participações de Luedji Luna, Tuyo, Rashid, entre muitas outras. "Liberdade" é isso: é comunhão, é coletivo, mas também é sobre ser você e mais ninguém. Ele vem mostrar que é no individual que nos tornamos universais. Se hoje o xamã do jazz brasileiro é um artista do mundo, é porque ele carrega suas raízes do subúrbio carioca em cada canto que vai,

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Essa entrevista inaugura uma série de bate-papos da Agenda Carioca com personalidades cariocas no Parque Bondinho. Se como cenário temos uma das vistas mais incríveis do mundo, que tanto nos orgulha, é na voz que mostramos quem somos de verdade. Nessa conversa, Jonathan Ferr, o precursor do urban jazz, fala de como carrega Madureira como parte de si, revisita memórias do Morro da Urca, e conta detalhes de seus últimos trabalhos.

Portela, Mercadão, Baile Charme... e também tem jazz em Madureira?

Agora tem, né? Agora, não. Já há um tempo! E eu gosto de levar essa bandeira do jazz para Madureira. Pro Rio de Janeiro, na verdade. Mas eu sempre gosto de reafirmar que sou de Madureira porque quando você assume o lugar que você é, você aparece mais para o mundo. Quanto mais individual, mais universal. Porque quem faz um território somos nós. Qual a diferença entre uma pessoa de Madureira e do Leblon? É o território? Não, somos nós, as pessoas que habitam ali. E aí eu penso que eu, que cresci ali em Madureira, Quando era um menino e andava por aquelas ruas, pelo Mercadão, pelo Baile Charme, pela Serrinha, tudo isso fica grudado em mim. E aí eu levo Madureira para todos os lugares porque eu sou Madureira, são todas as referências que estão em mim.

Seu pai teve um papel importante, comprando um piano. Isso te inspirou a fazer aula de música e suas referências foram se ampliando ao longo dos tempos…

Com 9 anos eu comecei a tocar piano. E com o tempo ampliei minhas referências pro rap e pro jazz. Eu até brinco que o jazz me emancipou artisticamente e o rap, culturalmente.

JONATHAN FERR PARQUE BONDINHO

E você tem consciência que você traz novas plateias para o jazz?

Hoje eu tenho. Eu tenho a consciência de trazer toda essa pluralidade do jazz urbano, mas que tem o formato de fazer jazz. E aí uma coisa que rolou uma vez que foi maravilhosa. Num show, uma senhora me disse que nunca tinha ido a um show de jazz até ir a um show meu. E, desde então, me disse que toda vez que tem uma oportunidade de ir a um show de jazz, ela vai. E saber que fiz parte dessa história foi algo maravilhoso. Ali eu percebi da importância de tocar as pessoas com a música e…uau!

E você mesmo não foi tocado por um show de jazz?

Primeiro por um disco e depois por um show. E é igual estar apaixonado, né? Você quer ligar, quer mandar mensagem, você acorda e quer dar bom dia, estar com a pessoa, fazer planos. E eu comecei a querer fazer planos com o jazz. Foi assim que a música me invadiu.

A pandemia te trouxe a "Cura" (álbum lançado em 2021), um trabalho muito aclamado. Mas agora você tem a "Liberdade" (lançado em 2023), que é um trabalho mais coletivo. Fala um pouco dessas duas experiências.

O "Cura" é um trabalho solitário. Eu estava ali sozinho, imerso em preocupações, mas vendo que todos estavam com os mesmos obstáculos, na mesma página, e eu não esperava que o meu trabalho tocasse tantas pessoas. Até hoje tenho muito feedback. A música tem um poder de transformação que é atemporal. E depois que você se cura o que acontece? E aí veio o "Liberdade", que fala de emancipação, que toca em quem você é de verdade. A gente vai deixando uns pedacinhos por aí, né? Liberdade tem autenticidade. Tem uma frase que é "quem não se movimenta não percebe as correntes". Nietzsche também tem uma frase que me inspira que é "Nunca é alto o preço a se pagar pelo privilégio de pertencer a si mesmo”.

E isso estimula a coragem, em perceber que não dá pra ficar bem com todo mundo o tempo todo...

Não dá! Na verdade, você não faz nada assim. E em "Liberdade" tem uma música que fala isso, "preciso me amar, quero me ver sorrir, quero me abraçar, pra eu me reconhecer, pra eu poder entender o que eu posso me dar. Nunca mais performar a versão que você tem de mim. Te olhar nos olhos e dizer que eu te amo assim". Eu te amo, mas você é meu parceiro, minha parceira, minha mãe, meu pai... mas você não pode esquecer , só performe o que você é pra você mesmo". Tem uma história ótima sobre Mozart. Ele estava estouradaço, no auge do sucesso, e chegou um fã, começou a tocar uma famosa sonata e elogiar Mozart, "você é maravilhoso, você isso, aquilo". Eu fico brincando que isso hoje em dia seria tipo uma DM de Internet, os fãs mandando mensagem e tal. Mozart foi super legal e esse cara falou assim: "eu também sou pianista, eu adoro seu trabalho, você me inspira muito, e estou pensando em compor minha primeira sonata, o que você acha?", e Mozart respondeu que ele não deveria compor. O fã ficou indignado, "Como você me fala isso? Achei que você fosse me incentivar. Você compôs a sua primeira sonata aos 11 anos". E Mozart responde: "Pois é, mas quando eu compus minha primeira sonata não pedi a opinião de ninguém". ou seja, você não tem que pedir permissão pra ser. Só seja. E é isso que o álbum "Liberdade" fala.

E você acabou de lançar um EP chamado "Livre", com a Orquestra Ouro Preto

Eu brinco que é um quartinho do "Liberdade". O "Liberdade" é uma casa, e esse é um novo cantinho dessa grande casa. E nesse EP eu revisito duas músicas do Charlie Brown, Lugar ao Sol e Céu Azul. E aí é um trabalho que mostra o Charlie Brown por Jonathan Ferr, e acrescentamos o jazz em cima de hits já super conhecidos.

E quando a gente estava subindo aqui (no Parque Bondinho), você já pediu licença pra tirar o celular, fazer uma foto e me contou que estudou na Unirio aqui embaixo. Você tem uma relação com esse cartão postal tão importante da nossa cidade?

Estudar na Unirio foi a realização de um grande sonho, que era fazer uma faculdade de música. Eu lembro da primeira vez que eu subi aqui foi com uma ex-namorada. Eu era novinho e falei: "vamos lá no Bondinho" e foi minha primeira vez aqui e fiquei "uau". Anos depois teve um festival aqui, o TIM Noites Cariocas, em que toquei para um público lotado, eu e o Criolo. E foi quando subi aqui como artista. Foi maravilhoso.

Falando em inspiração, vista, o que te inspira no Rio de Janeiro?

Eu gosto muito do verde, sabia? Gosto de pisar na terra, sentir o cheiro do mato, ouvir passarinhos cantando. Os pássaros me inspiram muito. Eu comprei uma flauta e fico me inspirando no cantar dos pássaros.

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