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Diretora do Festival Varilux de Cinema Francês analisa a concorrência do streaming: ‘A experiência da sala é inigualável’

Por Alessandra Carneiro | Publicado em 17 de novembro de 2023

A 14ª edição do Festival Varilux de Cinema Francês segue em mais de 54 cidades em todas as regiões do país até 22 de novembro. No Rio, além das salas convencionais, o festival invade a Sociedade Hípica Brasileira. O Picadeiro dos Espelhos foi transformado em um cinema com capacidade para 500 pessoas, telão gigante e som de alta definição (foto acima) e recebe, até o dia 18, filmes em dois horários, sempre a partir das 18h30. Para entrar no clima, o espaço ainda ganha um quiosque com pizza à lenha e um bistrô com um jantar de inspiração francesa.

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Este ano, o Festival Varilux de Cinema Francês recebe 19 longas-metragens recentes, alguns premiados ou integrantes de festivais mundo afora, além de clássicos. Confira a programação completa no site oficial. Conversamos com a diretora do evento, Emmanuelle Boudier, sobre a seleção para este ano e o futuro dos cinemas. Confira:

Emmanuelle Boudier

O Festival Varilux de Cinema Francês foi criado em 2008. O que mudou nesses anos?

Ao longo desses anos o Festival se desenvolveu no país inteiro, para chegar a 84 cidades e 122 cinemas em 2019 (antes da pandemia), com o total de 191.000 espectadores. Ele atingiu cidades que nunca têm a oportunidade de assistir a filmes franceses no cinema. Quando um filme francês é lançado no circuito, ele consegue ser programado para um máximo de 20 cidades. Podemos dizer, então, que ao longo do período, o Festival se tornou o maior evento cultural francês do país. Isso graças à conquista tanto de grandes circuitos comerciais (Cinépolis, Cinemark, Cineflix, Kinoplex), quanto de salas independentes. Durante esses anos, nosso público também se consolidou e acredito que "o Varilux" agora faz parte da agenda cultural brasileira.

Hoje o cinema tem grande concorrência do entretenimento em casa: profusão de streamings, maior qualidade de equipamentos etc. Como manter o público nos cinemas?

Como adoraria poder responder a essa pergunta! Porque após a pandemia a frequência dos cinemas para filmes que não são blockbusters americanos caiu dramaticamente e o Festival não escapou dessa queda.
Acho que o primeiro passo fundamental é a ajuda sem reserva aos cinemas. Para que possam se modernizar e se tornar novamente uma opção atrativa para o público brasileiro. E para que a tendência de abertura de novos cinemas possa ser retomada. Na França, os apoios do setor público aos cinemas são consideráveis e isso explica por que seguimos com 5.241 cinemas e mais de 1 milhão de poltronas. Com tantas opções, os franceses retornaram para o cinema: no primeiro semestre de 2023, o público francês ficou apenas menos 10 % em comparação com o público de antes do Covid.

Outro passo fundamental é apoiar a diversidade nos cinemas com cotas de programação, pelo menos para iniciar uma retomada. Essas cotas funcionaram bem na França, permitiram ao cinema nacional resistir em momentos difíceis. Assim que a produção e a distribuição se consolidaram, essas cotas não foram mais necessárias porque de fato o público foi ver cinema francês de forma espontânea. Em 2022 o cinema francês conseguiu 40% do mercado nacional — o mesmo do cinema americano. Isso demonstra que o rolo-compressor americano não é uma fatalidade, mas tem que definir a diversidade cinematográfica como um objetivo e defendê-lo! Para isso, tem que retomar também os apoios à promoção e distribuição dos filmes brasileiros, reforçando a equação econômica tão frágil hoje das distribuidoras. O negócio atualmente da distribuição de conteúdo independente não é mais sustentável, o cinema é fraco e a VOD rende muito pouco.

E para terminar, seria fundamental definir uma cronologia das mídias que não penalize tanto os cinemas, e dar a eles um mínimo de 6 meses de exclusividade em relação ao Streaming e à TV. Caso contrário, o público perde as referências e acha que vai ver logo o mesmo filme em casa. Na França tem uma cronologia bem estabelecida: Canal + (que investe 600 Milhões de Euros por ano no cinema) tem a primeira janela 6 meses depois dos cinemas. E o cinema francês acabou de assinar um acordo com Netflix para abrir uma primeira janela a 15 meses depois do lançamento nos cinemas, com um compromisso de investimento no cinema francês de 4 % do seu faturamento anual (com um mínimo de 30 milhões de Euros).

Enfim, o Governo Brasileiro deveria de ajudar o cinema brasileiro, que ficou muito enfraquecido com esses anos de assédio contra a cultura, e ganhar novamente força para que possa negociar melhores acordos com os novos atores do streaming, Netflix, Amazon, Globoplay, Disney etc.

Uma das homenageadas deste ano é Brigitte Bardot, que tem uma grande ligação com o Brasil. Além de filmes clássicos da atriz, o destaque é a minissérie com a atriz franco-argentina Julia de Nunez. Você diria que a escolha de uma série em seis capítulos para um festival de cinema tem a ver com os os novos tempos e comportamento do público?

O desenvolvimento das séries é uma realidade e essa linguagem adquiriu muita qualidade ao longo dos últimos anos. Portanto, nós achamos importante poder mostrar que a França produz séries de qualidade também. Mas no Festival a série foi exibida somente duas vezes, e somente no Rio e em São Paulo, isso antes de o festival começar, precisamente para não competir com a proposta dos filmes nos cinemas. Ela será exibida em streaming no site variluxcinegrandes.com a partir do 22 de novembro durante um mês. Essa proposta de streaming começa no último dia do festival nas salas de cinema para não atrapalhar a programação do evento.

Como foi pensada a curadoria da seleção de filmes desse ano? Que características foram levadas em consideração?

Nosso processo curatorial se baseia em três regras: filmes recentes, qualidade e diversidade. Sempre escolhemos filmes de todos os gêneros e acessíveis para todo tipo de público, não somente cinéfilos. A cinematografia francesa tem como características de sempre estar muito conectada à atualidade e ao que acontece na sociedade. Assim, os temas abordados, mas também a linguagem cinematográfica podem ser bem diferentes de um ano para outro, dependendo do que está no "air du temps". Nós tentamos também fazer com que o público descubra novos talentos, sejam cineastas ou atores, que serão as estrelas consagradas de amanhã. Fazemos questão também de dar visibilidade para filmes feitos por mulheres. Achamos também importante mostrar filmes clássicos, para que o público possa ver ou rever as grandes obras que marcaram a história do cinema francês e do cinema em geral.

Uma novidade no Rio deste ano é o espaço na Sociedade Hípica Brasileira, transformando um antigo picadeiro em cinema. Como tem sido a receptividade do público com esse formato?

Já experimentamos esse formato de cinema "em clima de verão" em 2021 no Parque Lage. Reiteramos esse ano na Sociedade Hípica Brasileira porque sentimos que o público curtiu a experiência de um programa diferente. Nós proporcionamos um telão de 12 m x 7 m, uma ótima qualidade de projeção e uma atmosfera relaxada, com espreguiçadeiras. Acreditamos que isso pode contribuir para que o público sinta o diferencial de ver um filme "em grande" e seja convencido do quanto a experiência da sala é inigualável.

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